Rádio ACE
  3 de setembro de 2021

“Os Miseráveis” (2019)

Direção: Ladj Ly
com Damien Bonnard, Alexis Manenti, Sofia Lesaffre e Steve Tientcheu.

Acabei de ver no HBO MUNDI. Que filme! Uma espécie de “Dia de Treinamento” com “Cidade de Deus”, nos mostra o “The Dark Side” de Paris. Alta tensão! Tensão social, “distensão” social!
“Das crianças moradoras dos conjuntos habitacionais às margens de Paris, até o trio de policiais que protagoniza um trama (eles próprios com traços étnicos distintos), o melhor de Os Miseráveis está nessa escalação – uma mistura de atores profissionais e amadores, muitos deles habitantes da própria vizinhança que o filme retrata. O título pega emprestado do clássico de Victor Hugo a ambientação no subúrbio de Montfermeil, trazida para os dias de hoje, e acompanhada o primeiro dia de trabalho de um policial, tensionado por um incidente com um furto envolvendo as crianças locais.”
IMPERDÍVEL!
….
“Meus amigos, nunca digam que há plantas más ou homens maus. O que há são maus cultivadores”.

‘Os Miseráveis’ é manifesto contra a injustiça inspirado em Victor Hugo

Filme do diretor Ladj Ly tem o cuidado em evitar o maniqueísmo: não se endeusa e não se vilaniza quem quer que seja

Luiz Zanin Oricchio, O Estado de S. Paulo
16 de janeiro de 2020 | 06h00

No entanto, não há qualquer pieguice nem mesmo romantismo na maneira como Ladj Ly, francês nascido no Mali, descreve seu ambiente. Há um preâmbulo, com Paris em festa, comemorando sua segunda Copa do Mundo, conquistada na Rússia em 2018. A seleção francesa é multirracial, assim como era aquela que ganhou a primeira Copa, em 1998, contra o Brasil. Essa característica levou muita gente a crer que a questão racial na França estaria resolvida, ou pelo menos bem encaminhada. Se a seleção que representava os franceses continha uma maioria de negros e árabes, como admitir que o país continuasse racista? E, no entanto…

O grupo de garotos termina de comemorar o título mundial em paisagens amenas como a Torre Eiffel e a avenida dos Champs Elysées, e agora é hora de voltar para casa, Montfermeil. Lá o ambiente é bem diferente. Não a pobreza total, a miséria que conhecemos aqui, mas a aspereza da vida, a falta de perspectivas, a aridez das ruas e dos HLMs, os prédios populares. As crianças ficam pelas ruas, em grupos. O ambiente parece meio barra pesada e há um chefão que se encarrega de manter o equilíbrio entre moradores e gerenciar conflitos. Ele é chamado de “maire” (prefeito) e não há qualquer ironia nisso: representa o poder de fato. Apenas o divide um pouco com Salah, que viveu o inferno do crime e das drogas, tomou outro rumo na vida, tornou-se dono de bar e agora é uma autoridade moral do local.

Um dos trunfos do filme é essa descrição minuciosa da estrutura da comunidade. Ladj Ly a conhece muito bem. Mora lá. O “prefeito” e Salah são personagens reais. Assim como os meninos. Um deles, o que opera o drone que terá importância vital na trama, é seu filho. Toda essa intimidade com o meio empresta autenticidade ao filme.

Há o cuidado em evitar o maniqueísmo. Não se endeusa e não se vilaniza quem quer que seja. Nem mesmo o grupo de policiais, o outro polo da história. Sim, há o “tira bom”, Gwada (Djibril Zonga), o “mau”, Chris (Alexis Manenti) e o recém-chegado, Pento (Damien Bonnard). Mas tudo é mais complexo, tanto na relação que estabelecem com a comunidade quanto entre eles. Não há heróis nem há vilões – e eles parecem tão vítimas da injustiça social quanto os moradores de Montfermeil.

Toda essa complexidade se expressa, ou melhor, explode num clima de tensão e truculência muito bem criado. O desfecho é aberto, sinal ético de que a esperança pode ainda existir em meio a tanto ódio e tanta ternura.

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