Rádio ACE
  27 de agosto de 2021

“As Invasões Bárbaras” (2003)

Um filme de Denys Arcand
com Rémy Girard, Stéphane Rousseau, Louise Portal, Dominique Michel.

Acabo de rever no Sesc Digital/Cinema em Casa com Sesc. Continua sendo um filme a se ver e rever, sempre. Sublime. Tocante. Maravilhoso!

Em 1987, o diretor franco-canadense Denys Arcand filmou O Declínio do Império Americano, em que quatro homens e quatro mulheres discutiam sexo em grupos separados antes de se juntarem para um jantar. A idéia por trás do longa era a de que um dos sinais do iminente fim de um império era o fato de que as pessoas passavam a se preocupar exclusivamente com sua vida pessoal. Quinze anos depois, os mesmos personagens voltam a se reunir em As Invasões Bárbaras.

O professor Remy, com câncer, recebe seus familiares e amigos. Louise, que era sua mulher no filme anterior, se separou por causa da infidelidade do ex-marido, mas ainda assim eles continuam se falando. Dos dois filhos do casal, apenas o rapaz, bem-sucedido no mercado financeiro, volta meio contra a vontade para acompanhar o pai. É ele quem conversará com a filha viciada de uma ex-amante de Remy para obter um pouco de heroína e aliviar as dores do professor. Enquanto isso, o grupo de intelectuais discute todas as ideologias que os entusiasmaram na juventude e o que foi feito delas.

As Invasões Bárbaras (cujo título se refere aos atentados de 11 de setembro) foi um dos destaques da 27.ª Mostra BR de Cinema de São Paulo e é a escolha canadense na corrida para o Oscar de filme estrangeiro em 2004. O filme ganhou dois prêmios no Festival de Cannes de 2003: melhor roteiro (para Denys Arcand) e melhor atriz (para Marie-Josée Croze, que interpreta a viciada em heroína).

Denys Arcand filma declaração de amor sem medo da emoção
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Talvez por fazer rir, talvez por fazer chorar, “As Invasões Bárbaras” é considerado por alguns um filme complacente. O diretor Denys Arcand teria caído no pecado de ser sentimental ao retomar os personagens que ele criou em “O Declínio do Império Americano” (1986). Arcand quis fazer, assumidamente, uma declaração de amor às suas criaturas e não fugiu da emoção.

Cineasta da região francófila de Québec, Arcand queria realizar um filme em que pudesse expressar seus sentimentos em relação ao estado das coisas. Descartou duas tentativas de roteiro e retomou os intelectuais do “Declínio”. Encontrou neles a chave para fazer suas críticas de um ponto de vista pessoal, aquele de um “velho”, deslocado frente à realidade cada vez mais acelerada, mas também de um homem que sabe rir de seu anacronismo.

Rémy (Rémy Girard), agora na casa de seus 50 anos, está hospitalizado, com um câncer em estado avançado. Louise (Dorrothé Berryman), sua ex-mulher, chama o filho Sébastien (Stephane Rousseau) para ajudá-la. Para desgosto do pai, Sébastien é um anti-intelectual, executivo radicado em Londres e habitante de um mundo sem fronteiras. É assim que Rémy o vê, na sua desilusão.

Diante da supremacia do “império americano”, o resto do planeta (sejam franceses, belgas, japoneses, árabes, etc.) seriam os novos “bárbaros”. A idéia de nação e da civilização ocidental como ela se estabeleceu estaria moribunda, e os ataques de 11 de Setembro seriam apenas os primeiros de uma série de “invasões bárbaras”. Para ele, só importa uma coisa: a preservação da palavra escrita, dos livros. E sem pronunciar esse desejo, ele quer encontrar alguém para cuidar de seus livros.

Quem herda a biblioteca de Rémy é a jovem Nathalie (Marie-Josée Croze), filha de sua ex-amante. Com Nathalie, o moribundo Rémy estabelece uma relação especialíssima. É ela quem vai lhe fornecer o remédio para passar seus últimos dias sem dor. É uma relação triste, mas profundamente amorosa, a mais bonita do filme.

Com ela, vê-se que as coisas mudam, as gerações entram em choque, mas enquanto o mundo caminha para um “novo” desconhecido e assustador, algo permanece, e as relações humanas continuam possíveis, apesar de tudo.

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